segunda-feira, 30 de abril de 2012

Fronteira


Vivemos com os pés no chão e a cabeça no ar, por vezes temos mais os pés no chão, outras mais a cabeça no ar. Quando temos só os pés no chão, habitualmente, as mãos seguram a cabeça que o ar não aguenta. Quando temos só a cabeça no ar, os pés não sabem o que fazem e só não se perdem porque as pernas os seguram. Mas viver com a cabeça no ar é viver dormente, é ser tolo. É andar de olhos fechados, é sorrir de olhos fechados. Já viver só com os pés no chão é sofrer, como sofro por te ter e não te ter. É ter o sangue a fluir por todo o corpo, é dormir de olhos abertos, de joelhos no chão, com um espeto no meio do peito, algemado. Não sei se é preferível ser tolo se dorido. Preferia ser dorido de grãozinho na asa, com a ressaca curada e a barriga cheia de vinho. Preferia ser apreciador das dores de coração e saber levá-las ao melhor de mim. O amor é viver com a cabeça no ar e os pés no chão, descalço. O amor vive em mim com chão de espinhos, mas eu acredito nele, como acredito no sangue derramado no chão. 

domingo, 22 de abril de 2012


Há dias que nem desnascer me apetece. Apetece-me parar de existir. Apetece-me ser morto, ou deixado em coma para sempre. Há dias que não são dias. São pressão. São angústia. Há dias que são vontade de morrer. Não só o amor é querer morrer, como o ódio é querer morrer, sem força sequer para ter odio. Dias em que o meu coração quer explodir e eu quero que ele exploda. Quero ser deixado num canto sozinho, sem mais seres vivos e sem luz. Quero-me ir embora e não quero ter que mexer as pernas ou pensar. Quero-me ir embora da existência, se a existência fosse um sítio, eu queria ir para outro. Queria abrir a porta da existência passar para o outro lado e fechar a porta nas minhas costas. Sem pensar duas vezes, um passo para o escuro. Um passo para a morte.

terça-feira, 17 de abril de 2012

O fim está a chegar
com o mar que dá à costa, que se encosta,
enrosca e sufoca.
Que alimenta a ferida e invoca,
todo o medo e a fobia,
do coração que mal conhecia,
Facadas de lâminas desenhadas,
sofridas e inesperadas.
Rapidamente rotuladas pelo mal,
a indiferença e um monumental,
assalto ao meu coração.
Se isto fosse fácil, o teu corpo recusaria o peso da pele. Se a vida fosse doce, não existiria o mar. E se fosse tudo quentinho e confortável, não existiram carros, nem casas, nem ruas para poder escrever o teu nome… Se isto fosse fácil não existia o amor.
Se tu fosses tu como os personagens da Disney são eles próprios, os teus olhos a esta hora estavam cansados dos verdes e vermelhos berrantes. E se o amor fosse só o amor, sem mais nada, sem impurezas, a esta hora eu estaria feliz.
Como aquele cacho de cerejas.

terça-feira, 3 de abril de 2012

No dia em que eu morri

No dia em que eu morri. O vento parou. Parou o sol. Parou a água que corre no rio. Parou o teu sorriso. Pararam as minhas mãos e as convulsões no meu peito. Parou a música. A música desinventou-se e deixou de existir, apagada da história. Assim como a minha vida. No dia em que eu morri, o choro morreu, morreu a tristeza, morreu a felicidade. Morreu o ar livre, o cheiro a terra molhada. O cheiro a campo. Morreu a chuva. A água. No dia em que morri, o mundo parou e morreu, desapareceu. Até a terra que cobriu o meu caixão morto morreu. Até os bichos que me comeram morreram. No dia em que eu morri eu morri para o mundo como o mundo me morreu. E acabou tudo. Acabaram-se os beijos e os abraços. Acabou-se o teu perfume. Acabou-se a morte. No dia em que morri, desnasceu a paixão e o amor. Desnasceu o mundo.    

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Se os meus olhos fossem de pedra seriam o chão. O chão alcatroado em pleno verão, ardente. Se os meus olhos espezinhados fossem o chão, o chão era triste.  E se o chão fosse os meus olhos, os meus olhos eram iguais. Encardidos e enrugados. Pesados. Carregados.
Se os meus olhos vivessem no mar seriam algas. Algas deixadas sozinhas, acompanhadas apenas de ocasionais dentadas de peixes estranhos. Se os meus olhos fossem algas, afogados, perdidos no meio mar, seriam as minhas algas, pelas quais eu veria turvo o mundo.
Se os meus olhos fossem luz, seriam a sua ausência. Seriam a ausência da existência da luz. Apagados. Extintos. Perdidos em universos onde a matéria é impalpável. Se os meus olhos fossem a luz, seriam como são hoje, agora, apagados, pretos, sós, tristes. Mortos.