segunda-feira, 26 de setembro de 2016

(1)

o amor que lhes custará tanto a admitir, mesmo para si mesmos, estava ali agora à vista. Ela abraçou-o com lágrimas a correrem-lhe pelo rosto e disse eu amo-te. ele sem conseguir entender bem a dimensão e a importância daquela palavra abraçou-a de volta. seria a primeira vez que jason se sentia tão próximo de alguém desde que deixou o seu pais à procura de uma vida menos doída.
acordou antes dela como de costume e ficou a olha-la exausta ainda a dormir. desta vez porém, sentiu medo de ela poder ser o dissolvente que acabaria com a carapaça que tinha construído e fortalecido neste ultimo ano e meio. no entanto apaziguava-lhe as saudades e a falta de noticias da família. vestiu-se e saiu da casa de mariana, sempre leve, ela ficou a dormir.

opá, ó mariana já viste isto? não tenho sorte nenhuma, perdi mais duas horas na casa dos ricos. oh mulher, vai-te benzer quer isso já não é normal, primeiro morre o velho agora esses despedem-te mas qual foi a razão? olha razão do costume, parece que os ricos devem tar menos ricos e já não têm possibilidades de ter duas empregadas, não tá facil, não sabes de mais biscates por ai? não, eu tenho tido as mesmas casas do costume, mas ó helena porque é que não perdes a vergonha e pedes ao teu marido para mandar-te dinheiro? não isso não, quanto menos contacto com aquilo melhor, então e o miudo russo teve lá em casa ontem? moldávo, sim teve, e não gozes, mas disse que o amava. tás a brincar? então e o outros? mas quais outros? tu pensas que eu sou o que? acabou a conversa já.

a helena perdia-se na solidão de sua casa a pensar no velho. ao menos tinha sexo e alguém que lhe ensinava umas coisas, embora não percebesse metade da informação sentia-se inteligente a repeti-las para pessoas que ainda percebiam menos que ela. pensava no quanto tempo desperdiçou a pensar que o odiava, e pensava que quando ele lhe metia a mão por baixo da saia era o mais próximo que estava de ser amada. (1)
adoro amar-te sem tu saberes quem sou. e adoro que tu me ames sem saberes que eu existo. adoro que me trates melhor do que qualquer uma. tu coberta de sementes de romã, com sabor a cereja. os teus dedos sabem a cereja. os teus lábios sabem a cereja. adoro fazer-te sorrir com o meu toque que não sentes e o jeito que tu me olhas pela janela sempre tão bem iluminada. és feita de pétalas por dentro, e porque se eu te tocasse morria. e se não morresse quereria morrer, prefiro-te assim ao longe. sempre perfeita, sempre tu.
Vivo numa aldeia. Se estou com a cabeça limpa tu apareces para sujar. Nos sítios mais improváveis. Agora que eu já não ando à procura de coisas que me esqueci ai. Só para poder ver a nossa casa vazia de nós. Tu apareces como se estivesse tudo bem. Como se fossemos os mesmos mas agora sós. Como se não tivesses levado um pouco de mim. Estava com a cabeça limpa, e agora já cá estás tu a latejar, como uma dor de cabeça que vai e vem e não me leva com ela.

segunda-feira, 19 de setembro de 2016

"So what went wrong? I guess she just stopped talking. And I enjoyed the silence too much"

segunda-feira, 12 de setembro de 2016

Hoje reli o pequeno texto que me escreveste quando acabámos. Quando o mundo foi demasiado complexo para nos ter aos dois juntos. Quando o tempo nos lixou, e o casulo do qual tinhas saído voltou a oferecer-te a escuridão. Ainda sinto um carinho por ti que tu não sentes por mim, foste o meu primeiro amor. Para ti fui só uma coisa querida que aconteceu, e passou. E acabou. Antes que se tornasse demasiado grande a ponto de nos rebentar por dentro. No fim. Que sabíamos ser inevitável. Hoje relembrei o nome que me chamavas e já tinha esquecido, hoje relembrei o som da tua voz. Fizeste o favor de me deixar essa recordação, mesmo que na altura não soubesses que ia ser. Tanta coisa se passou entretanto, e eu já não sou o mesmo, tu não sei, provavelmente já não te conheço. Embora ainda me lembre de cada centímetro teu.

sexta-feira, 2 de setembro de 2016

Pele purpura em lençol branco,
Ainda luzidia da água fria,
Carne crua e cheiro a ranço,
Transformada em goma macia.

Lá se vai o pensamento,
O amor, ódio e dor,
Lá se vai o sofrimento,
Extinto no flume devorador.

Cá, ficou o sal,
Os braços entrelaçados,
Pensem que não acabou mal,
Acaba onde estamos destinados.

quinta-feira, 1 de setembro de 2016

Ela acorda todos os dias da mesma forma. Os olhos parados no tecto pintado de branco. E lá dentro, o branco reflecte-se. A olhar para o vazio sente-se em casa. Viciada em vidas paralelas. Em vidas cheias de vida. Os olhos vidrados e iluminados pela janela que lhe faz estar o mais próximo possível com a vida. Ela vive todos os dias da mesma forma. A mente viaja rápido para pertencer a uma qualquer personagem, homem ou mulher, não interessa o género, interessa o sentimento. A viver no meio da metrópole, da janela de vidro ouvem-se os carros e as suas buzinas, as pessoas e os seus sapatos a baterem na calçada. Tudo tão desinteressante, tudo tão corriqueiro, veneno quotidiano que a mata a cada segundo. A sua vida passa-se na janela com luz reflectida que lhe cansa os olhos. A fantasia da realidade que é a realidade dela, que a faz estar mais próxima da vida impossível que gostava de ter. O desapontamento, a indiferença a toda a realidade que lhe corre à volta, a corrida das 19h para o metro, a rotina esfaqueante que a desventra, a monotonia que a adormece. A vida passada a olhar para o ecran, onde a vida é finalmente interessante, onde vive o seu presente, onde se sentiu viva pela primeira vez. E a dor de vê-la de tão longe, de lhe ter acesso negado e restrito(...)