Quando paramos para pensar nas coisas, parece que passámos a
vida toda a dormir. Como se os momentos passados, fossem passados só. Dormidos.
Dormentes. Quando chega o fim, quando chega a hora da verdade e abrimos
finalmente os olhos para perceber o que está a nossa volta, as cores são
diferentes, os sons são diferentes, os sabores são diferentes. Caímos em nós e
percebemos que as pessoas-máquinas não existem. Que somos todos animais. Que a
pessoa mais forte do mundo também chora, e que as pessoas que estão ao nosso
lado são tudo. Como se nos desinstalassem o antivírus quando saímos de perto
deles. O amor, que já julgávamos ser o mais importante, torna-se ridículo.
Torna-se impossível de tão grandioso. E os nossos olhos, que viram turvo
durante tanto tempo, cansam-se depressa, velhos e usados de tanta verdade. E a
verdade é muitas vezes cruel.
Apercebo-me tarde que a inocência é o mais belo adjetivo que
se pode ser. Tudo dói com mais força quando se é inocente, dai haver tão pouca.
Dai ser impossível de se manter, obrigados a crescer depressa demais para que
não nos tirem os olhos. E a saudade, aquela tão portuguesa, faz-me finalmente perceber o porque de para passar o Bojador, se
ter de passar além da dor.
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