Corria para não chegar atrasado. Bastava um minuto depois
para um minuto de atraso se transformar em uma hora em adiantado. Corria sem ar
nos pulmões. Cheguei a tempo. Com as entranhas a saírem-me pela boca. Olhei, e
parada de telemóvel na mão estava ela. E a lembrança de todos os olhares com
sorrisos, de todas as vezes que o olá me ficou engasgado na garganta. Olhou-me
nos olhos, olhei de volta. Sorriu. Fugimos. Voltámos a olhar. Sorrimos.
Fugimos. Por trás dos riscos traçados no ar de olhos a olhos, veio o silêncio. Silêncio
unicamente interrompido pelo meu pensamento.
Devias ter-lhe falado, perdeste a oportunidade.
Chegou o autocarro. Cedi-lhe passagem. Sentou-se algures
num lugar vazio no meio entre a entrada e a saída. Mais lugares vazios que
pessoas. Passei por ela. Sentei-me cá atrás. A viagem de uma hora demorou dez
minutos, magicava uma maneira de lhe falar. Vou-lhe escrever um bilhete, é
isso. Escrevo qualquer coisa a desculpar o meu jeito de comunicar próximo do que
é utilizado na escola primária, pode ser que ache piada.
Rrrrrcc!
Foi preciso tirar a folha do caderno para me lembrar que
não tinha caneta.
Merda. Vou ter de deixar para a próxima. Mas a próxima pode
ser muito tarde e se não for hoje não vai. Hoje não tenho medo da vergonha,
hoje é hoje. Eu sei a paragem que ela vai sair… É uma depois da minha, saio com
ela, dou-lhe o bilhete. É isso. Mas não tenho caneta… Vou escrever com a chave.
Vou marcar o papel, mas assim só posso escrever o meu número de telefone. Se
não for hoje não vai ser…
Marquei o número com a chave.
Deve de ser o pior bilhetinho do mundo. Nem sei se dá para
perceber alguma coisa.
Respirei fundo.
Tem de ser hoje, se não for hoje não vai ser. Mesmo com números
marcados com a chave de casa num papel.
Passou a minha paragem, chegou a dela. Olhei-a para
perceber a rapidez com que ia ter de sair, ela olhava à volta parecia que me procurava. Olhei-lhe para as mãos com esperança de ela também ter um bilhete. Não tinha. Demorei um pouco para deixar passar as
pessoas à frente dela. Tempo perfeito. Desci as escadas de saída, ela vinha
atrás de mim. Virei-me com o papel na mão. Estiquei o braço.
É para ti.
Obrigada – sorriu.
Virei a cara, comecei a andar. Vi tudo nublado. E
apeteceu-me saltar e fazer yupi. Consegui.
Mas que raio de bilhete foi aquele que lhe mandaste?
Eu tou maluco.
O que é que se passou? Podias bem só ter falado com ela.
Eu sei… Ao menos sorriu.
Ela nunca te vai dizer nada.
Fez-me parecer que tinha 6 anos. Ela fez-me parecer que
tinha 6 anos.
Cheguei a casa e sentei-me de telefone na mão. Adormeci.
Sem comentários:
Enviar um comentário