quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

While my lady sleeps


Corria para não chegar atrasado. Bastava um minuto depois para um minuto de atraso se transformar em uma hora em adiantado. Corria sem ar nos pulmões. Cheguei a tempo. Com as entranhas a saírem-me pela boca. Olhei, e parada de telemóvel na mão estava ela. E a lembrança de todos os olhares com sorrisos, de todas as vezes que o olá me ficou engasgado na garganta. Olhou-me nos olhos, olhei de volta. Sorriu. Fugimos. Voltámos a olhar. Sorrimos. Fugimos. Por trás dos riscos traçados no ar de olhos a olhos, veio o silêncio. Silêncio unicamente interrompido pelo meu pensamento.
Devias ter-lhe falado, perdeste a oportunidade.
Chegou o autocarro. Cedi-lhe passagem. Sentou-se algures num lugar vazio no meio entre a entrada e a saída. Mais lugares vazios que pessoas. Passei por ela. Sentei-me cá atrás. A viagem de uma hora demorou dez minutos, magicava uma maneira de lhe falar. Vou-lhe escrever um bilhete, é isso. Escrevo qualquer coisa a desculpar o meu jeito de comunicar próximo do que é utilizado na escola primária, pode ser que ache piada.
Rrrrrcc!
Foi preciso tirar a folha do caderno para me lembrar que não tinha caneta.
Merda. Vou ter de deixar para a próxima. Mas a próxima pode ser muito tarde e se não for hoje não vai. Hoje não tenho medo da vergonha, hoje é hoje. Eu sei a paragem que ela vai sair… É uma depois da minha, saio com ela, dou-lhe o bilhete. É isso. Mas não tenho caneta… Vou escrever com a chave. Vou marcar o papel, mas assim só posso escrever o meu número de telefone. Se não for hoje não vai ser…
Marquei o número com a chave.
Deve de ser o pior bilhetinho do mundo. Nem sei se dá para perceber alguma coisa.
Respirei fundo.
Tem de ser hoje, se não for hoje não vai ser. Mesmo com números marcados com a chave de casa num papel.
Passou a minha paragem, chegou a dela. Olhei-a para perceber a rapidez com que ia ter de sair, ela olhava à volta parecia que me procurava. Olhei-lhe para as mãos com esperança de ela também ter um bilhete. Não tinha. Demorei um pouco para deixar passar as pessoas à frente dela. Tempo perfeito. Desci as escadas de saída, ela vinha atrás de mim. Virei-me com o papel na mão. Estiquei o braço.
É para ti.
Obrigada – sorriu.
Virei a cara, comecei a andar. Vi tudo nublado. E apeteceu-me saltar e fazer yupi. Consegui.
Mas que raio de bilhete foi aquele que lhe mandaste?
Eu tou maluco.
O que é que se passou? Podias bem só ter falado com ela.
Eu sei… Ao menos sorriu.
Ela nunca te vai dizer nada.
Fez-me parecer que tinha 6 anos. Ela fez-me parecer que tinha 6 anos. 
Cheguei a casa e sentei-me de telefone na mão. Adormeci. 

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