Andava com os pés cheios de feridas. Ainda ensanguentados
de todos os detritos que pisou no caminho com os pés virgens, não habituados a
caminhos adversos. Sofrida e lenta, a caminhada chegava a um ponto em que a dor
se transformara em dormência. Os vidros e as pedras que pressionavam a carne já
vermelha, nos sítios em que a pele se tinha rompido, já eram parte de si, a dor
era parte de si. Já saiu à rua descalça, saltou de sua casa para os braços de
um homem. O homem da sua vida, pensara. Mas o colo gastou-se infelizmente. Os
seus pés de menina tocaram o chão com uma queda, os braços que a amparavam e a
levantavam do mundo saíram debaixo do seu corpo e deixaram-na sujeita à força
da gravidade. Caiu. Na altura não pensou ser preciso precaução, aqueles braços
estariam sempre ali, fieis, nunca se cansariam, nunca se ocupariam com outros
saltos. Enganou-se. Caiu. Da queda até ao momento em que se levantou não sabia
muito bem o que se tinha passado, pensava ter sido uma distração e ficou
sentada, sem força para se levantar, sem vontade de se levantar, à espera dos
velhos braços cansados. Quando deu por si os seus braços já eram de outra, e
pela primeira vez na sua vida teve de usar os seus, teve de usar as pernas e
teve de usar a força que não sabia ter. Levantou-se. Devagar, com a força dos
seus braços e pernas fracas, levantou-se. E caminhou, com os seus pés virgens,
até casa… Onde aprendeu a sarar as feridas que lhe ficaram para sempre e
aprendeu a viver com as cicatrizes de uma das maiores quedas da sua vida. Mal
sabia ela que tinha sido só a primeira de muitas, mal sabia ela que as
cicatrizes que tinha ganhado, iriam ser um dia a sua salvação.
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